sexta-feira, 18 de abril de 2008

Ação preconceituosa e estigmatizadora

A ação da Brigada Militar gaúcha contra os moradores de rua é condenável sob vários aspectos. Quero abordar um, relacionado a premissa da ação da polícia militar gaúcha: a definição do que é o grupo social moradores de rua.

Para os que acham a questão de menor importância, vale uma observação: a caracterização do que é o grupo define a abrangência da ação, isto é, da unidade sobre a qual pode agir, legitimamente e legalmente, o Estado e seu aparato policial. Um grupo só existe, aos olhos do Estado, se, em não existindo por definição formal anterior, auto-define-se e apresenta-se na cena pública, frente ao Estado, ou se está definido na normativa que regula a vida social (Lei). Um exemplo de grupo auto-definido são os movimentos sociais. Um exemplo de agrupamento estabelecido pela norma são os eleitores.

É precisamente a caracterização feita pela Brigada Militar dos moradores de rua que torna a abrangência de sua atuação condenável. O erro está em igualar dois conjuntos distintos de indivíduos, ou, no mínimo, fazer de um subgrupo de outro: Os "perturbadores da ordem pública" e os moradores de rua. Para a Brigada Militar, nas palavras do comandante de seu 9º Batalhão, Tenente-coronel Carlos Bondan, todos os moradores de rua são reduzidos a "perturbadores da ordem pública". Esta caracterização aparece na frase que justifica - torna aceitável socialmente e legalmente - a intervenção da Brigada sobre os moradores de rua, presente em entrevista a Zé Agah do dia 18/04/2008. Vamos as suas palavras:

"Como é responsável [a Brigada Militar] pela manutenção da ordem pública, e constatando que efetivamente muitas atitudes perturbam as relações sociais, tem de intervir. Temos o direito constitucional de agir."

Nada, no entanto, autoriza esta redução simplista. Nem a parcela dos moradores de rua que constituiu-se em movimento organizado estabelece sua ação declarada sob parâmetros que estranhos ao Estado de Direito, nem a Brigada consegue caracterizar, na prática, todos os abrangidos por sua ação desta forma. Após o recolhimento a própria Brigada libera, sem processo, a maior parte. O que caracteriza, de pronto, que estes não representam ameaça de qualquer natureza a ordem pública.

O que a ação da Brigada está fazendo é submeter uma minoria à profunda estigmatização social. Para mim, qualquer ação, de qualquer instituição do Estado, em relação aos moradores de rua deve partir de uma outra caracterização deste grupo social. A que os caracteriza como conjunto heterogêneo, com trajetórias de vida diversas e uma identidade comum produzida pela situação de estar morando na rua. Nada autoriza o transporte de todos ao quartel como prisioneiros. A Brigada deve identificar individualmente aqueles que tem condenação formal de alguma natureza e constranger a liberdade exclusivamente destes.

Tudo que for diferente disto é arbítrio e preconceito.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tudo mmuito bem, tudo muito bom. Mas o fulcro desta questão é: A BM está agindo contra a Lei. Não está prevista no "nosso ordenamento jurídico", como diria um douto advogado, a pena de "chá de banco no quartel" e também não está tipificado como crime "ser morador de rua".
O mais grave disto tudo, no meu ponto de vista, é que o Ministério Público, que é o guardião dos nossos direitos, prevaricou, uma vez que o Sub Comandante "Prendo e Arrebento" Mendes confessou o crime na frente do Sub-Procurador Geral do MP, no tal debate da RBS e não tomou as medidas que lhe cabiam (a coisa foi de sub para sub, talvez porisso tenham se entendido).
Também analiso o motivo desta sequênca de desfaçatez: para a BM, e lamentávelmente para o MP gaúcho moradores de rua ainda não foram alçados a condição de cidadãos, acho até, que nem mesmo sub são considerados.