Muito tem se falado - quase todos os blogs, revistas e jornais que conheço falaram - sobre o filme Tropa de Elite. Alguns falaram bem, outros bastante mal. Ninguém ficou alheio. Não gostaria de falar tanto dele em sí, de sua forma ou conteúdo, mas da discussão em torno. Neste aspecto destaco dois problemas em boa parte das análises correntes, com honrosas exceções: 1) há um problema de ênfase na análise formal e do conteúdo vis a vis uma abordagem do impacto cultural/social do filme e 2) há um problema de mérito na análise formal.
Me chamou a atenção um ponto comum em praticamente todas as análises do filme. Discute-se o filme, sobretudo, no que ele constitui como linguagem em sí mesma. As questões são, em geral, se as colocações de sujeitos e objetos e sua sintaxe refletem, verdadeiramente, a “realidade” ou se constituem um projeto de alteração da mesma de tipo “progressista” ou “facista”. Assim, a "função sintática" do Capitão Nascimento ora é apresentada, pela crítica, como elemento cuja ação projeta a solução para a corrupção e a criminalidade, ora é tida como amplificadora da violência e da maldade pura e simples. Já nos playboys e "playgirls" de classe média apresentados no filme, algumas análises vêem o perfeito retrato do sujeito que sustenta, quase que absolutamente, toda a cadeia de tráfico/criminalidade e violência/sadismo associado, outros enxergam uma caricatura grosseira e simplificadora, uma expressão incompleta ou falsa. Assim, em um primeiro movimento, discutem-se as falhas ou acertos desta linguagem, em termos, por exemplo, de sua verossimilhança quanto as relações de causa e efeito que se propôs a representar: se o filme - a linguagem, sua sintaxe e sua gramática - situa os personagens (fenômenos ou sujeitos) em sua hierarquia causal "correta", como presente e como projeto.
Em um segundo movimento, de um extremo a outro, ainda dentro da análise formal e de conteúdo do filme em si, vemos a análise focada na tarefa de atribuir uma gramática e uma sintaxe naturais - contidas originalmente - ao filme. Praticamente todas as análises fixam-se na suposição de posições verdadeiras - impressas e fixadas no ato de criação da película por intenção do autor - para cada personagem e fenômeno apresentado no filme. É absolutamente necessária esta análise da linguagem explícita ou implícita no filme, de uma suposta codificação que, na falta de melhor palavra, “tipifica” (no sentido weberiano) a realidade. Ela pode revelar uma parte, razoável, da potência da obra, de sua possibilidade e vetor de impacto. Isto é, a análise deste tipo pode, bem feita, apresentar indicadores da capacidade de uma obra quanto a produção de significados e sua perenidade. Mas esta análise não deveria pretender-se completa.
Não pode pretender-se completa porque não é possível identificar em toda a extensão a potência da obra sem, ao mesmo tempo, analisar sua dinâmica, o impacto que produz. Não apenas em extensão quantitativa, mas também em qualidade, em termos de diversidade de significados. Creio que a riqueza de uma obra só pode ser plenamente identificada quando, ao lado de uma análise dela em si, de uma crítica da substância, da linguagem inerente, enfilera-se uma crítica dos efeitos que está a produzir sobre quem a observa. Uma obra é tão mais rica quanto atinge, sem perder conteúdo, um nível de abstração capaz de atrair e chamar a reflexão indivíduos ou grupos com formação cultural diversa.
Me chamou a atenção um ponto comum em praticamente todas as análises do filme. Discute-se o filme, sobretudo, no que ele constitui como linguagem em sí mesma. As questões são, em geral, se as colocações de sujeitos e objetos e sua sintaxe refletem, verdadeiramente, a “realidade” ou se constituem um projeto de alteração da mesma de tipo “progressista” ou “facista”. Assim, a "função sintática" do Capitão Nascimento ora é apresentada, pela crítica, como elemento cuja ação projeta a solução para a corrupção e a criminalidade, ora é tida como amplificadora da violência e da maldade pura e simples. Já nos playboys e "playgirls" de classe média apresentados no filme, algumas análises vêem o perfeito retrato do sujeito que sustenta, quase que absolutamente, toda a cadeia de tráfico/criminalidade e violência/sadismo associado, outros enxergam uma caricatura grosseira e simplificadora, uma expressão incompleta ou falsa. Assim, em um primeiro movimento, discutem-se as falhas ou acertos desta linguagem, em termos, por exemplo, de sua verossimilhança quanto as relações de causa e efeito que se propôs a representar: se o filme - a linguagem, sua sintaxe e sua gramática - situa os personagens (fenômenos ou sujeitos) em sua hierarquia causal "correta", como presente e como projeto.
Em um segundo movimento, de um extremo a outro, ainda dentro da análise formal e de conteúdo do filme em si, vemos a análise focada na tarefa de atribuir uma gramática e uma sintaxe naturais - contidas originalmente - ao filme. Praticamente todas as análises fixam-se na suposição de posições verdadeiras - impressas e fixadas no ato de criação da película por intenção do autor - para cada personagem e fenômeno apresentado no filme. É absolutamente necessária esta análise da linguagem explícita ou implícita no filme, de uma suposta codificação que, na falta de melhor palavra, “tipifica” (no sentido weberiano) a realidade. Ela pode revelar uma parte, razoável, da potência da obra, de sua possibilidade e vetor de impacto. Isto é, a análise deste tipo pode, bem feita, apresentar indicadores da capacidade de uma obra quanto a produção de significados e sua perenidade. Mas esta análise não deveria pretender-se completa.
Não pode pretender-se completa porque não é possível identificar em toda a extensão a potência da obra sem, ao mesmo tempo, analisar sua dinâmica, o impacto que produz. Não apenas em extensão quantitativa, mas também em qualidade, em termos de diversidade de significados. Creio que a riqueza de uma obra só pode ser plenamente identificada quando, ao lado de uma análise dela em si, de uma crítica da substância, da linguagem inerente, enfilera-se uma crítica dos efeitos que está a produzir sobre quem a observa. Uma obra é tão mais rica quanto atinge, sem perder conteúdo, um nível de abstração capaz de atrair e chamar a reflexão indivíduos ou grupos com formação cultural diversa.
Enfim, a análise está a destacar o elemento formal e de conteúdo do filme e só secundariamente fazendo uma análise do impacto social do mesmo. Além deste problema, creio que existe um problema de mérito nas análises do filme em si.
Tanto o tipo de análise dos que enxergam no filme um projeto de solução para a criminalidade via “pancada” como os que o classificam como “fascista”, dizem que o filme é uma linguagem com hierarquia, com elementos que precedem e suscedem, que são mais ou menos importantes. E é esta visão desta hierarquia que orienta, nestas análises, o julgamento para o bem ou para o mal do filme, que permite classificá-lo de um jeito ou de outro. No entanto, creio que o ponto de partida deveria ser a constatação de que Tropa de Elite adota uma linguagem que não hierarquiza personagens e fenômenos. Não há personagens mais ou menos culpados, mais ou menos frágeis. Todos os personagens têm uma estrutura de escolhas. Não há, também uma relação mais importante do que outra, um problema mais relevante do que outro. A “realidade explicativa” do filme é praticamente tautológica. Se assim é, e creio que é, não se pode ler Tropa de Elite como a defesa de um projeto, mas como a denúncia de uma situação inercial.
O que o filme é, ou melhor, manifestará deve ser entendido a partir de uma análise formal considerando a natureza não hierárquica da justaposição de seus personagens e, sobretudo por conta disto, da reação livre que produzirá em seus espectadores.
Sendo assim, o essencial para quem quer tratar do filme é, na verdade, elaborar um discurso diante dos TEMAS que põe em pauta. O filme é, sobretudo, a amplificação de uma agenda. Faça seu discurso, fale da violência, da corrupção, da polícia, porque esta é a pauta que o filme provocou em milhões de pessoas que o assistiram. E a impressão delas está em disputa. Mas não será hegemônico o discurso que negar relevância artística e legitimidade ao filme.
A arte tem destes maneirismos.
“O SENHOR VAI DORMIR 05?”
Tanto o tipo de análise dos que enxergam no filme um projeto de solução para a criminalidade via “pancada” como os que o classificam como “fascista”, dizem que o filme é uma linguagem com hierarquia, com elementos que precedem e suscedem, que são mais ou menos importantes. E é esta visão desta hierarquia que orienta, nestas análises, o julgamento para o bem ou para o mal do filme, que permite classificá-lo de um jeito ou de outro. No entanto, creio que o ponto de partida deveria ser a constatação de que Tropa de Elite adota uma linguagem que não hierarquiza personagens e fenômenos. Não há personagens mais ou menos culpados, mais ou menos frágeis. Todos os personagens têm uma estrutura de escolhas. Não há, também uma relação mais importante do que outra, um problema mais relevante do que outro. A “realidade explicativa” do filme é praticamente tautológica. Se assim é, e creio que é, não se pode ler Tropa de Elite como a defesa de um projeto, mas como a denúncia de uma situação inercial.
O que o filme é, ou melhor, manifestará deve ser entendido a partir de uma análise formal considerando a natureza não hierárquica da justaposição de seus personagens e, sobretudo por conta disto, da reação livre que produzirá em seus espectadores.
Sendo assim, o essencial para quem quer tratar do filme é, na verdade, elaborar um discurso diante dos TEMAS que põe em pauta. O filme é, sobretudo, a amplificação de uma agenda. Faça seu discurso, fale da violência, da corrupção, da polícia, porque esta é a pauta que o filme provocou em milhões de pessoas que o assistiram. E a impressão delas está em disputa. Mas não será hegemônico o discurso que negar relevância artística e legitimidade ao filme.
A arte tem destes maneirismos.
“O SENHOR VAI DORMIR 05?”
3 comentários:
por essas e outras decidi ver o filme somente no início do próximo ano, quando a poeira estiver mais baixa
abraço
A melhor parte do filme é a aula de sociologia e o estudo do Foucault quando o policial disse que todo mundo ali estava equivocado. E, de fato, estavam todos ali equivocados, porque anestesiados pelo raciocínio da mediocridade. É aquele velho raciocínio maniqueísta medíocre do "politicamente correto" e tudo se simplifica com a seguinte fórmula: a culpa é da polícia, dos poderosos, dos exploradores, do homem branco, da mídia oligopolista, do exército americano, das multinacionais. Esses são sempre os eternos culpados. O filme prova e comprova que nada é tão simples assim. O filme mostra - e com muita razão - que nessa briga entre polícia e traficantes que dominam as favelas das grandes cidades não existe meio termo. Ou se está do lado do bandido, da bandidagem que mata quem denuncia e se compactua com ele ou se está do lado da lei, da polícia.
Muito bom texto. Ví o filme da mesma maneira. Não existem mocinhos e bandidos em Tropa de Elite.
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