AIG: a verdadeira conspiração
Michael Hudson, em 18/3/2009, no site Counterpunch – http://www.counterpunch.org/
Por que, afinal, a 'mídia' mostra-se tão surpresa com a descoberta de que há ganância sem limites no setor financeiro? Todos os canais de televisão e todos os jornais dos EUA, de esquerda e de direita, só falam desses bônus, em todas as manchetes, há dois dias. Pode soar estranho, mas a indignação dos cidadãos contra os bônus de 135 milhões de dólares devidos pela AIG é presente caído dos céus para Wall Street, incluídos os canalhas.
Algo soa falso, nesse ultraje generalizado. Não parece haver alguma coisa super inflada na vociferante indignação do Senador Charles Schumer e do Deputado Barney Frank, dois garotos-propaganda muito ativos, ao longo de todo o ano passado, a favor de dar-se aos bancos tudo que os bancos pedissem? E o presidente Obama não parece estar encontrando algo que afinal parece poder criticar abertamente, como se aí estivesse algo que sinceramente considera mal feito por Wall Street (embora não tudo)? Até o Wall Street Journal entrou na dança da indignação.
O Estado, ao salvar a AIG, disse o WSJ, "está usando essa empresa como sistema de vasos comunicantes pelo qual salvará outras empresas.” É verdade: há muito mais ganância envolvida aí do que alguma específica ganância 'pessoal' dos diretores da AIG.
A AIG deve muito mais a outros agentes – em Wall Street e em todo o mundo – do que o valor de seu patrimônio. Isso levou a empresa à insolvência.
E a oposição popular começa a aumentar, porque muitos começam a perceber que Obama e McCain podem ter operado juntos para apoiar a injeção de dinheiro nos bancos que, em retrospecto, já chega a trilhões e trilhões e trilhões de dólares jogados pelo ralo. Não, de fato, completamente pelo ralo, é claro – mas dólares dados aos especuladores financeiros que apostavam no lado "mais esperto" das jogadas financeiras erradas da AIG.
“O pessoal de Washington deseja focar a questão nos bônus, porque assim a ira popular atinge atores privados,” o Journal acusou em editorial, dia 17/3. Mas, em vez de explicar que assim se salvam os especuladores de Wall Street, que receberam mil vezes mais do que o valor dos bônus hoje contestados, o jornal culpa os suspeitos de sempre: o Congresso.
Esquerda e direita nada veem. Só diferem quanto ao alvo contra o qual induzem os cidadãos a dirigir sua ira!
O problema verdadeiro, que se oculta sob a indignação generalizada contra os 135 milhões de dólares dos bônus da AIG é outro: essa soma é menos que 0,1% – é um milésimo! – dos 183 BILHÕES que o Tesouro dos EUA deu à AIG como meio para que o dinheiro chegasse a outras empresas.
Essa soma, mais de mil vezes superior ao total dos bônus para os quais a atenção dos cidadãos está sendo convenientemente desviada pelos lobbystas de Wall Street, não ficou com a AIG.
A verdade é que há seis meses a imprensa independente e muitos congressistas tentam descobrir para onde esse dinheiro REALMENTE foi. Bloomberg abriu um processo para investigar e tentar descobrir. E, mesmo assim, foi detida por um muro de silêncio.
Finalmente, domingo à noite, dia 15/3, o governo, afinal, liberou os detalhes – terrivelmente embaraçosos. O maior credor da AIG é exatamente o mesmo que os boatos já indicavam: Goldman Sachs, o banco de Paulson. Tem 13 bilhões de dólares a receber, em nome de outras empresas credoras. Assim, o quadro começa a esclarecer-se.
Em setembro passado, Paulson, Secretário do Tesouro, funcionário do banco Goldman Sachs, ofereceu um plano de três páginas, rascunhado, com sua proposta de "resgate". O plano especificava que, fizessem o que fizessem o próprio Paulson e três outros altos funcionários do Tesouro (incluindo, portanto, também subordinados de Paulson, todos do banco Goldman Sachs), nenhum deles poderia ser acusado de crime ou conduta inidônea; evidentemente, tampouco poderiam ser processados. Essa exigência enfureceu o Congresso, que rejeitou a primeira encarnação do plano de "resgate".
O que se vê hoje é que Paulson tinha boas razões para incluir a cláusula que impedia qualquer bloqueio de fundos que o Tesouro viesse a injetar na AIG. A indignação popular deveria focar exatamente nesse ponto.
Em vez disso, as vacas-madrinhas do Congresso, que conduziram todo o processo de aprovação da legislação de resgate – Obama incluído; ninguém esqueça que, na noite do debate de campanha, o da 6ª-feira, Obama manifestou-se fortemente a favor do terrível plano de Paulson – aí estão, hoje, na televisão, a chamar a atenção do público para os "bônus dos executivos"... não para tudo que a própria AIG recebeu.
Há duas perguntas que se tem de fazer quando se vê em andamento uma campanha política. Primeiro: qui bono – quem se beneficia? E, segundo: por que agora? Minha experiência ensina que a oportunidade, o timing, é quase sempre o fator-chave para que se entenda a dinâmica de uma campanha política.
Quanto a quem se beneficia: o que ganham Obama, o sen. Schumer, o dep. Frank e outros patrocinadores de Wall Street, com essa indignação popular inflada pela imprensa? Para começar, quanto mais indignados se mostrem, mais aparecerão como moralizadores do setor financeiro e bancário, não como seus agentes lobbystas, inventando alternativas e mais alternativas que resolvam os problemas imediatos dos bancos. Por isso a AIG cuidou de agitar a água, para que não se pudesse ver onde apostava as fichas de sua lealdade política. Assim, hoje, ainda posa como "parceiro honesto" e assim continuará, quando, dentro de algum tempo, outra vez fizer desaparecer mais alguns poucos trilhões de dólares, consumidos nas campanhas eleitorais de seus candidatos e nas empresas de outros grandes doadores de campanha.
Quanto ao timing, acho que está respondido. A onda de indignação contra os bônus da AIG já distraiu a atenção popular. Ninguém está pensando nas demais empresas às quais chegou o dinheiro que a AIG recebeu (183 BILHÕES de dólares, em repasses do Tesouro).
Há quem diga que a soma "final" que chegará às empresas através da AIG chega a 250 bilhões, se o sen. Schumer, o deputado Frank e Obama prestarem todos os muitos serviços que Wall Street ainda espera deles, no próximo ano e, provavelmente, adiante.
Para que tudo funcione – ao mesmo tempo em que mitigam a indignação popular que cresce contra as operações de 'resgate' – é preciso que mantenham exatamente a pose em que estão hoje. É um exigente exercício de fingimento.
A moral da história é: quanto maiores as lágrimas de crocodilo que chorem sobre os bônus individuais pagos pela AIG (que são legais, explicáveis e declarados ao fisco e estão, portanto, do lado saudável dos negócios da AIG, e nada têm a ver com os esquemas-Ponzi & outros), mais efetivamente desviarão a atenção pública para bem longe dos 183 BILHÕES; e mais bem posicionados estarão, todos, para torrar mais dinheiro público (bônus do Tesouro e depósitos do Fed) em suas caridades financeiras favoritas.
Temos de ir atrás do dinheiro DE VERDADE que foi dado à AIG – os 183 BILHÕES!
Sei perfeitamente que esse dinheiro já desapareceu e que não haverá meio de o vermos outra vez, e que ninguém o extrairá das empresas que sabiam que Alan Greenspan e George Bush e Hank Paulson estavam empurrando a economia dos EUA, montanha abaixo, numa montanha de hipotecas irrecebíveis, derivativos e uma balança de pagamentos inequilibrável, tudo junto numa só bola de neve rolando ladeira abaixo, com obrigações e dívidas (CDOs), um completo cassino... cujas apostas eram seguradas e resseguradas pela AIG.
Esse dinheiro já foi sifonado para bem longe do Tesouro. Para fazer esse trabalho, lá estavam, em todos os postos-chave do governo, os representantes dos mesmos bancos e AIGs, todos com funções específicas.
Mas... mesmo assim, temos de tentar. Vamos lá, recuperar esse dinheiro!
O Sen. Schumer disse aos que recebam bônus da AIG, que o fisco os perseguirá e acabará por arrancar-lhes o dinheiro de um modo ou de outro. De fato, se decidir ir, o fisco pode também perseguir todos os demais beneficiados pelos 183 BILHÕES de dólares, de que ninguém fala.
Basta, para tanto, reinstituir o imposto sobre a propriedade e subir as taxas sobre lucros marginais e sobre a riqueza, repondo-as no nível (já reduzido) em que estavam na era Clinton [orig. re-instate the estate tax and raise the marginal income and wealth-tax rates to the (already reduced) Clinton-era levels].
Todo o dinheiro pode ser recuperado. Isso, exatamente, é o que Schumer, Frank e outros não querem que a opinião pública discuta e descubra. Por isso oferecem-lhe hoje, o circo dos bônus da AIG. É a mesma história de sempre: fazer as pessoas falarem sobre tudo o que não interessa a elas... e apagar, de todas as discussões, tudo o que é realmente importante.
Michael Hudson foi economista de Wall Street. É pesquisador da University of Missouri, Kansas City (UMKC). Escreveu, dentre outros livros, Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (new ed., Pluto Press, 2002).