segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Fogaça e o hino do Rio Grande do Sul

Quando você votar para governador estará escolhendo um líder para o Rio Grande do Sul. Líder é o sujeito que aponta um caminho, entre os vários possíveis. Líder é o sujeito que tem força suficiente para conduzir, ao menos, o seu grupo. E, com o seu grupo, assumir a direção da sociedade. Apontar um norte para mim, para você, para o RS.

Fogaça tem dito que governará bem o Rio Grande do Sul qualquer que seja o presidente eleito, que se relacionará bem com qualquer um. Tudo bem, até dá prá acreditar. Mas só isto não basta. Qual o melhor Brasil para o Rio Grande do Sul? O proposto por Dilma? O proposto por Serra? Ou o apresentado por Marina? E se o eleito não for o melhor cenário para o Rio Grande do Sul progredir? Não existirá bom relacionamento que ajude...

Fogaça não quer revelar qual cenário acha melhor (embora eu supeite que ele acha que é o proposto por Serra) porque está submetido as exigências de seu grupo político, o PMDB gaúcho. Parte do PMDB gaúcho é serrista, a maioria, e parte é Dilma. Fogaça não quer assumir a posição da maioria, porque sabe que perderia votos de quem está votando nele e na Dilma: especialmente os eleitores do seu aliado PDT. Fogaça, que se propõe ser o lider maior dos gaúchos, está sendo comandado pelas circunstâncias...

E quem é comandado pelas circunstâncias não é lider. Como lembra o hino do Rio Grande do Sul:

Mas não basta pra ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo
Mostremos valor constância
Nesta ímpia e injusta guerra
Sirvam nossas façanhas
De modelo a toda Terra

A neutralidade passiva de Fogaça não cabe aqui, não é verdade?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O debate da Band

Este debate de ontem, 05/08, não valeu nada. 

Não valeu nada em sí. Média de 3 pontos no IBOPE (isto é, 165 mil pessoas assistindo, uma vez que cada ponto do IBOPE significam 55 mil espectadores). Baixíssima audiência. No pico foram 5,5 pontos (menos de 302 mil pessoas). Para comparar, a audiência total do debate Lula x Collor (realizado em pool de emissoras: Globo, Bandeirantes, Manchete e SBT) foi de 66 pontos (3,6 milhões de pessoas).

Não valeu nada como repercussão. Aspecto fundamental para sedimentar o ocorrido no debate como fato político relevante. A Bandeirantes não possui midia impressa (jornais, revistas, etc.) para catalisar o debate, isto é, para garantir o debate sobre o debate. Também a audiência de seus telejornais e sistema de rádio é baixa. Por sua vez, os jornais de outros grupos de comunicação (O Globo, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo), do dia posterior ao debate, 06/08, construiram matérias burocráticas. O mesmo exemplo do parágrafo acima pode ser utilizado para ilustrar este aspecto: o famoso Jornal Nacional do dia posterior ao último debate presidencial de1989 entre Collor e Lula, ancorado na edição deste evento político, teve audiência de 3,4 milhões de pessoas (61 pontos no IBOPE).


quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O QUE IMPORTA É A LÓGICA ECONÔMICA, do blog www.econobrasil.blogspot.com

Por Enéas de Souza

1) O nome decisivo em economia é lógica – lógica do capital. E no caso presente, lógica do capital financeiro. Portanto, ao contrário do que pensam certos economistas, a matemática não é uma lógica econômica, e só pode funcionar subordinada a esta. Fazer equações e modelagens só tem sentido se forem construídas em torno de proposições oriundas da economia. Ao mesmo tempo que não se pode aplicar uma teoria já preparada para a compreensão da realidade, um modelo ou uma visão a priori. O meu ex-professor de filosofia, católico, apostólico, romano, Armando Câmara, sempre dizia como Lênin – e eu sempre me lembro desta frase quando falo sobre o assunto – “nada tão prático como uma boa teoria”. Só que a boa teoria é o resultado apurado de idéias que se envolvem com a práxis. E que neste face a face com a realidade confirma aspectos verdadeiros, mas permite a correção de outros. E arma, por aprendizado, novas figuras intelectuais que o real vai exaltando e desenvolvendo. Portanto, o decisivo numa situação econômica é sempre saber por que a dinâmica da conjuntura é essa; que estrutura está presidindo essa correnteza histórica.

2) E porque razão? Já que esta razão não nos é dada antes dos acontecimentos, de modo a priori. Sabe-se igualmente que uma concepção também não é um apanhado e uma amálgama de variáveis que se pegou para descrever uma presente situação analítica. O que parece decisivo é saber por que se está numa situação como se está. E construir com a interação da teoria e da realidade uma teoria sempre em ato, uma concepção que está sempre aberta à elaboração de novas proposições que nos dêem a inteligibilidade do desenvolvimento econômico. E essa abordagem só existe se, por trás dessa presença de conhecimento, aparecem forças sociais suficientes para sustentar determinadas posições. Então, tomamos três pontos – um: uma teoria é o que permite compreender uma determinada realidade em movimento, o que significa entender a dupla história, da teoria e da realidade; dois: a teoria precisa ser sempre apreciada pela capacidade de incorporar novidades da realidade que ela mesma é incapaz de antecipar; e, por último, três: uma teoria só pode avançar para a transformação da prática se tiver grupos sociais que estejam apoiando tal direção da teoria sob formas de ações políticas. Uma política econômica tem a sua gênese da economia política.

3) Esses pontos estão envolvidos na lógica que vai compondo a compreensão da dinâmica capitalista numa certa direção. Sem esta lógica, o que temos é a vacuidade insignificante dos números usados a bel prazer por qualquer um. No fundo, hoje, existe um bom número de economistas e de gente que se autodenominam de gestores, cuja vocação é furtar a interpretação, já tendo eles próprios uma interpretação confusa, para que possam servir ao conservadorismo como se estivessem servindo ao bem público. Esta é mais uma das banalidades da contemporaneidade, a adoração dos números. O que significa que não sabem o que está acontecendo. Não pensam, passam a vida a calcular. A grande nudez destas posições apareceu nitidamente na incapacidade que tiveram de entender a crise quando ela estava estourando no mundo, quando não havia sinais de fogo, mas quando, em verdade, o fogo já estava grassando a olho nu. O número é cego, só a teoria proporciona a fala deste número. Na ocasião, estes analistas, continuavam seu triste destino ideológico e a dizer: tudo vai bem. E tudo vai bem por quê? Simplesmente porque um número, uma equação, uma modelagem não tem uma lógica que perceba a dinâmica de uma lógica econômica instalada. Uma variável tem que ter sociedade, classe social, teoria para sustentá-la. Sem essa condição, nenhum analista é capaz de entender minimamente o que está acontecendo.

4) O capitalismo vai se reerguer, mas não teremos de volta este capitalismo indecente que já passou. Que ele deu? Como disse na sua palavra simples, um chofer de táxi de Buenos Aires: “Los ricos continuán a ganar más plata, y los pobres siguén más pobres que antes”. Tradução: o neoliberalismo piorou em toda a parte a distribuição de renda. Tudo por uma única razão. Conseguiram passar para a sociedade que retirar o Estado da economia iria permitir o desenvolvimento social de todos. Como isso se mostrou uma balela, inventaram a idéia de que o sistema promove vencedores. E que para orgulhar um cara ante todos, existe, entre milhões de pessoas, alguém que é sempre um vencedor: você. Mas, se você não é um vencedor, o problema é seu e não do sistema Que pobreza de espírito, que maluquice mais estúpida! No entanto, o inusitado e o chocante é que esse besteirol colou. Agora que as derrotas das forças populares nos anos 90 foram assimiladas, partes equivocadas das teorias políticas e econômicas foram descortinadas, novas apostas podem ser feitas, principalmente, porque o neoliberalismo mostrou todo o fracasso de sua proposta, como nos disse o motorista de táxi de Buenos Aires. Pois o que se viu foi uma distribuição de renda mais desgastante e um Estado que agiu a serviço dos bancos – sobretudo dos bancos. E veja o milagre da repartição dos pães. Quem os salvou da bancarrota? O Estado. E mais: com o dinheiro da população, com “o nosso dinheiro” como gostam de dizer os donos do mundo, quando é para pagar algo que vai para os pobres, como a Bolsa Família, por exemplo.

5) 2007 destapou o subterrâneo da economia: aquela volúpia financeira através do abuso vigoroso e quase virtuoso da securitização. Claro que se esta só tivesse títulos financeiros de base, a crise teria ficado no reino das finanças. Mas, as hipotecas imobiliárias vinculavam o setor financeiro e o setor produtivo. Então, aconteceu o irreversível, não apenas a superacumulação de direitos financeiros, mas a superacumulação de bens e produtos. Resultado: hecatombe – que poderia ser um nome de fantasia para a crise econômica. E, claro, seguindo o baile, a pergunta se faz: onde é que a crise mundial se resolveu razoavelmente? Resposta: nos lugares onde o Estado estava menos endividado como no Brasil, onde o Estado estava no comando da economia, como na China. E começou-se, então, a sentir que, primeiro, para salvar os bancos e as instituições não-bancárias e as entidades não-financeiras, o que se precisava era de dinheiro público, o tal do “nosso dinheiro”. E, de repente, como um deslizamento mágico, o “nosso” virou dinheiro “deles”. E pior, riram da nossa cara, nos Estados Unidos, os recursos do Estado serviram inclusive para pagar o bônus de alguns dirigentes financeiros. Deboche absoluto. E mais, o Estado, o americano para termos uma idéia, foi longe, foi bastante longe, gastou e se endividou mais ainda, contudo somente para “la pátria financiera”, como dizem os argentinos. Porque, como migalha, só houve uma beirada miúda, quase desprestigiada, para o setor produtivo, automobilístico em especial. E um troquinho, muito mixa, para os trabalhadores, os part times e os desempregados.

6) Já faz no mínimo dois anos que os cantores do sistema dizem que agora sim, a coisa vai virar. E lá vêem eles com atléticos números estatísticos, que são plasmados para dizer o que as finanças querem. E aí está o nosso ponto: mesmo que a aparência mostre que a economia está se recuperando, o inverso é que é verdadeiro. Por quê? Isto está parecendo aquela história do Nelson Rodrigues, que ao ser alertado que tal partida de futebol não tinha sido como ele analisara, respondeu, altivo e triunfante: pior para os fatos. Pois é quase: o setor X cresceu, o banco Y recuperou a lucratividade, a empresa Z bateu o último semestre do ano anterior, etc., etc. Isto tudo são números vazios. O que temos que fazer é botar os números no interior da lógica econômica. Sim, porque a lógica econômica que presidiu o mundo anterior (a dinâmica aplicações financeiras-rendas financeiras-consumo-investimento) levou um tombo, caiu e não se levanta mais. Por quê? Porque não se fazem mais alavancagens como antigamente; os bancos não se emprestam como se emprestavam em outros tempos; as ações não estão rendendo para os investidores como rendiam nos anos 90; a securitização não tem espaço para crescer, nem para retornar ao mesmo nível anterior. A lógica econômica é submetida ao tempo. E o tempo é irreversível. Os ativos financeiros de ontem não são mais negociados como antes e a produção empaca na sua expansão: houve uma superacumulação de capital. O que está havendo é queima de capital. Não adianta dizer que em um mês cresceu um pouco mais aqui, um pouco mais ali. A economia como um todo não está crescendo. O investimento não aumentou, o emprego desabou – e, obviamente, não há horizontes para recuperação. Logo, a economia não é mais a mesma, perdeu a cabeça, perdeu o braço, perdeu o pé. Tem que nascer outra economia. Não adiantam números, não adiantam equações, não adiantam previsões numéricas. Há que mudar a lógica da razão econômica, o que significa dizer: estrutura, funções, dinâmica. E esta transformação não se dá porque um mercado cresceu bem hoje. Este crescimento só é representativo se e somente se ele está integrado numa nova lógica, porque cada período histórico é organizado por uma lógica distinta que se altera conforme a época e a etapa da sociedade. Esta é a plasticidade da lógica do capital e do capitalismo.

7) Então, quando é que os números vão se apresentar significativamente? Quando a economia se transformar; quando dinamicamente, ou seja, quando a finance led growth deixar de ser o movimento fundamental; quando o Estado tiver poder de decisão, como na China, por exemplo, e voltar a realizar uma política econômica não-liberal. Para isso, o Estado tem que ter planejamento, planejamento macro-econômico. Minimamente. Nos Estados Unidos, seja colocado em pauta, a Finantial Regulatory Reform possibilitou, via o Conselho de reguladores, um caminho irregular, mas caminho de controle da descabelada finanças. Ou seja, Obama pode tentar formatar uma direção financeira e começar a cuidar da economia produtiva. Uma vez que é preciso reposicionar a indústria automobilística, o que já começou a fazer desde o início do seu governo, substituindo diretores, impondo determinados tipos de linhas e carros a serem produzidas, etc. Ou seja, há que botar a referida indústria no seu lugar. Por quê? Por causa das necessidades de transformações do setor de energia, principalmente o petróleo. Estamos numa esfera decisiva, a mudança no setor energético: novas fontes de petróleo, o desenvolvimento do pré-sal e dos biocombustíveis, bem como a preparação de novas indústrias energéticas como a eólica, a solar e a do hidrogênio. Tudo isso vai ter que provocar novas relações, não só entre elas, mas com todo o conjunto de indústrias novas e velhas se misturando numa reformulação profunda de posições. Portanto, não adianta só falar em números, tem que mudar o Estado, tem que mudar as políticas econômicas; tem que mudar os setores produtivos; tem que mudar a liderança do setor industrial e tem que construir e conectar as cadeias produtivas que expressam esta nova realidade.

8) E, para isso, há que alterar o básico, há que alterar o financiamento. Ou seja, o sistema financeiro tem que se organizar em função dos setores produtivos, tem que haver crédito público e privado para as novas indústrias, principalmente às indústrias que vão entrar na maturidade, como as novas tecnologias de comunicação e informação, como às indústrias novas que entrarão em processo incremental de instalação, como os produtos das ciências médicas, etc. Portanto, a tal de finance led growth, vai ter que se inverter: o crédito para a especulação teve os seus anos dourados nos anos 2000. Agora não adianta dizer que os grandes bancos tiveram um semestre bom ou ruim. Não, não adianta dizer, eles vão ter que se transformar, vão ter que passar do financiamento para a especulação ao financiamento da produção. Isso não quer dizer que a especulação vai desaparecer. O que vai acontecer na nova lógica econômica é, possivelmente, uma cisão nas finanças: uma parte se dedicará ao desenvolvimento industrial, comercial e de serviços e a outra parte dará cobertura aos delírios especulativos. E cabe aos governos, através de políticas monetárias financeiras e fiscais, impedir a fusão desses dois mercados. Será a forma de desdobrar o perigo destes bancos “to big do fail” e deixarem, portanto, de serem prisioneiros desses gigantes da era neoliberal.

9) Finalmente, o Estado vai ter que planejar o desenvolvimento associado do setor público com o setor privado, com a finalidade não só de fazer a metamorfose da estrutura econômica, mas com a finalidade de destinar novas funções para o setor financeiro. Na viagem dessa aventura, corre uma remodelação do setor produtivo de tal modo que se possa substituir um processo de acumulação das finanças por um processo de acumulação produtiva que comande a expansão financeira. Se isso ocorrer, poderá haver uma forte criação do emprego e a economia pode retornar ao comando do investimento, com efeitos evidentes no consumo. Por outro lado, o que for excessivo para o financiamento do setor produtivo pode ser aproveitado pelo setor financeiro numa outra dimensão do que a atual. Esta nova economia exigirá, inclusive, o aumento de emprego no Estado, já que com características totalmente diferentes da economia de hegemonia financeira, não pode funcionar com a burocracia de hoje, estrutural e funcionalmente. O leitor sabe que o que é decisivo a partir da crise recente é a emergência de uma nova lógica econômica. 
 
10) Desta forma a economia mundial terá que recomeçar, na verdade já está começando, pela expansão chinesa, organizando a Ásia e a recolocando a América Latina e a África no campo da recuperação. Mas, a economia chinesa não tem cimento para construir toda a economia planetária. A renovação americana será importante, porque não só os Estados Unidos continuarão dominantes, mas reorganizarão a Europa e a Inglaterra, consolidando igualmente, as economias latino-americanas e africanas. Mas essa recomposição, para países como o nosso, só acontecerá no momento em que as dinâmicas das corporações e das nações unirem novamente os Estados Unidos e a China, constituindo, então, uma outra economia mundial. Só ai é que esta voltará a empurrar e a construir o novo círculo virtuoso do conjunto das economias. E isso não será feito como a construção do mundo pelo Senhor, ou seja, em sete dias. Os homens, coitados, são mais demorados. Tem que organizar as forças sociais capitalistas e forças sociais dos trabalhadores, bem como frações de classes apêndices em torno de um novo projeto da economia mundial. E isso não se faz sem fortes e profundas lutas, nem sem poderosos acordos. Enquanto a nova lógica se constrói, a velha desaba. Esta é a versão econômica daquela antiga sabedoria de botequim de Ibrahim Sued: “enquanto a caravana passa, os cães ladram”.