terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A discussão do terceiro mandato I

A propósito do falado terceiro mandato

O terceiro mandato presidencial é um não- assunto. Proibido pela Constituição, não existe força política capaz de mobilizar o apoio parlamentar necessário à sua modificação. O presidente da República, potencial beneficiário da medida, manifestou reiteradas vezes seu desinteresse e, mais, sua oposição à iniciativa. Qualquer atitude ao contrário tende a ser vivamente condenada, mais do que aplaudida. A recente pesquisa do Datafolha revela que a população dispensa traquinagens constitucionais, preferindo manter o jogo em seu andamento próprio. Então, por que cargas d"água o assunto não sai das primeiras páginas?

Depois de apresentar projeto visando um eventual terceiro mandato para o presidente Luiz Inácio (supondo que o conquistasse nas urnas), o deputado petista autor da proposta praticamente desapareceu. Os paladinos do terceiro mandato, ainda que contrários a ele, são os parlamentares da oposição, segundo os quais, tudo que acontece hoje na política do país ou bem se liga à prorrogação da CPMF ou à prorrogação do mandato presidencial. Parece obsessão, mas não é.

Por mais que finjam, o que preocupa a oposição não é a inexistente ameaça de uma terceira candidatura lulista, mas um terceiro período de governo sob hegemonia do Partido dos Trabalhadores. Essa é uma possibilidade real e a propaganda oposicionista tenta identificá-la, ou tentava até esta semana, com o continuísmo chavista, antipatizado pela população. Explica-se a manutenção da tese do terceiro mandato presidencial, contra a opinião do presidente, pelo empenho da oposição em mantê-la no ar, associada às pretensões de Hugo Chávez, moeda a ser utilizada eleitoralmente contra as pretensões do PT a um terceiro período governamental. Com a derrota de Chávez no referendo, a oposição terá que ser criativa para insistir na aproximação entre os legítimos objetivos eleitorais do PT e a controversa volúpia por poder do presidente venezuelano.

O problema eleitoral do PT é mais propriamente de governo do que de eleição. Ainda avalio que, ao contrário da euforia tucana para efeito externo, as chances de vitória da situação são bastante superiores às da oposição. Não é fácil combater um governo bem-sucedido e bem avaliado. Todas as críticas, inclusive as procedentes, esbarram na disposição do eleitorado de recompensar os bons governos. Os especialistas perceberão que admito, para a próxima eleição, a supremacia do voto retrospectivo sobre o voto prospectivo. Os eleitores votam retrospectivamente quando estimam que a renovação do mandato dos atuais governantes promete trazer maiores retornos do que as perspectivas de mudança representadas pela oposição. O peso específico dos candidatos continua a ter importância, mas ponderado pelos cenários alternativos associados a cada um deles pelo imaginário público. Acredito que este ainda é o caso, não valendo a fadiga que leva à substituição de um governo, simplesmente porque é governo. Se não ocorrer nenhuma tragédia política maiúscula, os tópicos programáticos oposicionistas parecerão frágeis diante da prestação de contas petista.

O problema do PT é mais de governo do que de eleição, tendo que aceitar de novo o regime de coalizão.

Problema virá no período pós-eleitoral. Vingando a vitória da coalizão petista, tendo o senhor ou a senhora x por presidente, volta o Legislativo, também renovado em 2010, a ocupar papel central no desenrolar do futuro governo. Reiteradas as tendências anteriores, a distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados não tende a apresentar modificações de grande envergadura. Em uma previsão conservadora, portanto, o próximo primeiro mandatário deverá aderir por necessidade, senão por escolha, ao presidencialismo de coalizão. Sem maioria absoluta na Câmara, para não mencionar o Senado, o novo presidente deverá recompor uma base de apoio parlamentar que lhe permita enfrentar os problemas inerentes a um terceiro mandato: início de fadiga e escassez de moeda política. Se o segundo mandato petista, com Lula, está sendo distinto do primeiro nas suas relações com o Congresso, o terceiro, seja com quem for, não terá muita área de manobra para inovações. Compor maiorias com inclinações à indiferença será um dos desafios do próximo governo petista, caso o eleitorado repita o voto de 2006.

O papel da oposição dependerá visceralmente de seu desempenho eleitoral. O Dem, que se candidata à cabeça da coalizão oposicionista, encontrará nas eleições de 2010 o passaporte para uma reversão da decadência de que padecia o PFL, ou o bilhete expresso para o ostracismo. No meio-termo, será ratificado como partido parlamentar de médio porte, sem perspectiva de participação significativa nas arranhaduras do poder. O mesmo jogo joga o PSDB, não obstante o enfatuamento de suas lideranças. Terão de disputar os votos àqueles partidos que desprezam, mas que são apoiados por bases estaduais e municipais razoavelmente constantes: o PTB, por exemplo. Se o eleitorado das cidades médias dispersar o voto, não é impossível que das eleições de 2010 saiam dois partidos grandes, o PMDB e o PT, e bom número de partidos medianos, entre eles o PSDB e o DEM. As qualificações de ambos para se converterem em comandantes de pelotões oposicionistas a desafiar o governo ficarão bem reduzidas. Para ambos, as eleições legislativas de 2010 são mais relevantes, no longo prazo, do que o resultado da corrida presidencial.

Em qualquer caso, o quadriênio vindouro trará oportunidade para questões institucionais de grande envergadura alcançarem o cume das prioridades. Sem dúvida voltarão à cena a reforma política, o papel do Estado, de seu tamanho e competências, a política de segurança externa, desconectada do ranço ditatorial do passado (graças à excelente gestão que o ministro Nelson Jobim vem tendo), e a reconstitucionalização do país. Enquanto o Sudeste se distrai contando o número de funcionários públicos, o extremo Norte vive ao Deus dará, com os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário monopolizados pelos grileiros, contrabandistas e malfeitores de toda sorte. Chega ao fim a estratégia de fingir que as quadrilhas urbanas são meros casos de política e que não afetam a soberania do Estado. Não há mais como evitar o confronto constitucional com a marginalidade. E aqui o risco de que, a propósito de uma causa justa, o Estado se desmande em tiranias localizadas, sociais e étnicas. As próximas eleições deverão ser bastante calmas, mas dificilmente o próximo governo será.

Artigo de Wanderley Guilherme dos Santos, Cientista Político, Membro da Academia Brasileira de Ciências, publicado no Jornal Valor Econômico em 7/12/2007.


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