segunda-feira, 8 de outubro de 2007

1850 ou quem sempre paga a conta da orgia "aristocrática"


Vão me chamar de dinossauro, remeter-me à objeto de estudo dos paleontólogos. Mesmo correndo este risco, não posso deixar de recomendar, para quem quiser enriquecer seus instrumentos de análise sobre o que está a acontecer agora em nossa sulina província, a leitura de "Lutas de Classe na França(1848-1850)". De um autor alemão chamado Karl Marx. De qualquer forma, sou dos que acreditam que uma boa análise é como um bom vinho (ou como a Setembrina, cachaça preferida do meu amigo Diário Gauche): Melhora com o tempo.

O livreto (são 121 páginas curtas na edição que tenho, de 1986, editora Cátedra, Rio de Janeiro), inicia com palavras sobre a proclamação da República Francesa. Três passagens, como estimulo a leitura da obra completa:

1) O problema naquela época...

"Desde o início, a penúria financeira pôs a monarquia de julho sob a dependência da alta burguesia. Esta dependência se tornou fonte inesgotável de apuros financeiros crescentes. É impossível subordinar a gestão do Estado ao interesse da produção nacional sem estabelecer o equilíbrio do orçamento, ou seja, o equilíbrio entre as despesas e as receitas do Estado. E como estabelecer este equilíbrio sem reduzir a marcha do Estado, ou seja, sem prejudicar interesses que eram o sustentáculo do sistema dominante, e sem reorganizar a situação dos impostos, ou seja, sem atirar uma considerável parte do fardo fiscal sobre os ombros da grande burguesia?" (página 12)

2) Uma das soluções, bem familiar... (agradável a fração dominante à época, que Marx chamava "aristocracia financeira", força econômica que sustentava a monarquia de Luís-Filipe)


"O endividamento do Estado era, muito pelo contrário, o interesse direto da fração da burguesia que governava e legislava com as Câmaras. O déficit do Estado era o próprio objeto de suas especulações e a fonte principal do seu enriquecimento. Ao fim de cada ano, novo déficit. Ao cabo de quatro ou cinco anos, novo empréstimo. Ora, cada novo empréstimo fornecia 'a aristocracia uma nova oportunidade para lesar o Estado, que, mantido artificialmente a beira da falência, era obrigado a tratar com os banqueiros dentro das condições as mais favoráveis." (página 12)

2 e 1/2) Uma passagem só prá não achar que os problemas atuais são tão atuais...

"Além disso, as somas enormes passando assim entre as mãos do Estado davam ocasião a contratos de remessa fraudulentos, de corrupções, de malversações e de trapaças de todas as espécies. A pilhagem do estado, à grande, tal como se praticava com os empréstimos, repetia-se em detalhes nas obras públicas. As relações entre a Câmara e o Governo se encontravam multiplicadas sob a forma de relações entre certas administrações e certos empreiteiros." (página 13)

3) Outra saída (agradável para o que Marx chamava "burguesia industrial", que sucede, com o Governo Provisório, em 1848, como força hegemônica, à monarquia e à aristocracia financeira e proclama, forçada pelo povo, a República Francesa)

"Nesse meio tempo, o Governo Provisório arrastava-se ante o pesadelo de um déficit crescente. era em vão que ele mendigava sacrifícios patrióticos. Apenas os operários atiravam-lhe sua esmola. Era preciso recorrer a uma medida heróica, a promulgação de um novo imposto. Mas sobre quem? Os lobos da bolsa, os reis do Banco, os credores do Estado, os capitalistas, os industriais? Não era um modo de fazer a burguesia aceitar tranqüilamente a República. Era, por um lado, por em perigo o crédito do Estado e o crédito do comércio, que se procurava, por outro lado, comprar ao preço de tão grandes sacrifícios, de tão grandes humilhações. Mas era preciso que alguém pagasse. E que foi o sacrificado ao crédito burguês? O Jacques Bonhomme [algo como o zé-povinho], o camponês.
O Governo Provisório impôs um imposto adicional de quarenta e cinco cêntimos por franco sobre os quatro impostos diretos." (páginas 27 e 28)

Há, logo em seguida, obviamente, uma explicação das razões que fizeram os novos inquilinos do Estado (à época) não cobrarem a dívida (ou o déficit) de seus verdadeiros devedores... Não transcrevo aqui para não tirar a graça da leitura... Mas vai uma pista: compromissos com uma certa parte da sociedade que decidia, com exclusividade, sobre a alocação de vultuosos recursos que não estavam nas mãos do Estado...

Que compromissos esconde - ou revela - o pacote do Governo Yeda?

Boa leitura